Paulo Rosa

"Douta Ignorância": matemáticas divinas

Por Paulo Rosa
Caps Porto, Ambulatório Saúde Mental, Hospital Espírita, Telemedicina PM Pelotas
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Nicolau de Cusa, além de cardeal e filósofo, era matemático desenvolto. Algo que se pode apreciar nesse texto de 1440 é seu modo não catequético de falar sobre Deus. Ele de nada nos quer convencer, apenas permite-nos, talvez até nos convide a acompanhá-lo em suas intelecções. "O modo humano de conhecer, que avança gradualmente, através do método da proporção e da analogia, do conhecido para o desconhecido, não nos permite o acesso a um conhecimento de Deus… O autor inscreve-se no primado da teologia negativa ou apofática" (pág. 14, palavras do tradutor, na Introdução), ou seja, aquela que aborda "a questão da divindade através de sua impossibilidade de descrição em termos humanos".

Em outro texto - "Idiota de sapientia" - diz de Cusa: "há um modo de considerar Deus pelo qual não lhe convém nem a afirmação, nem a negação, mas estando ele acima de qualquer afirmação e negação… Uma espécie de superação da aporia entre teologia positiva e teologia negativa… Nicolau de Cusa irá recuperar a noção de uma teologia do discurso ou da fala, uma teologia dialógica, que assenta precisamente na força da palavra" (pág. 15, ainda na Introdução).

Entendi que o cardeal-filósofo estende a impossibilidade linguística de expressar o Deus, até alcançar a impossibilidade matemática com o mesmo fim. Nos capítulos matemáticos do Livro Primeiro, págs. 26ss, ele se refere à abstração de uma "linha infinita", dizendo: "se houvesse uma linha infinita, ela seria reta, seria triângulo, seria círculo e seria esfera".

Que uma linha infinita seja reta é algo perfeitamente demonstrável e evidente, de fácil compreensão. Já para introduzir as outras afirmações, Nicolau de Cusa se utiliza de desenhos geométricos que aqui não posso reproduzir. O que me pareceu assimilável, e espero, reproduzível, é que, através da ideia de uma linha infinita, pode-se conceber que ela assuma a forma infinita, seja de um triângulo, seja círculo, ou esfera. Por exemplo, um círculo máximo, aquele que não pode haver maior, pode alcançar, nessa maximidade, a forma de linha, triângulo ou esfera. De modo análogo, o segmento de um círculo infinito possui nele a reta, sem que isso seja contradição. Esse círculo máximo possui em si o máximo de circularidade e o mínimo de retilinearidade, isto é, possui ambos simultaneamente, reta e círculo.

Essa percepção matemática do cusano Nicolau, em que reta e curva coincidem, sendo e não sendo a mesma coisa ao mesmo tempo, abre caminho ao entendimento da percepção do Deus como um mais além das precaríssimas possibilidades humanas, sejam matemáticas, sejam linguísticas. Nossa douta ignorância.

O texto vai para a doutora em Matemática Márcia Souza Fonseca, no momento em que se transfere para viver em Madrid. Doutor Jarbas a acompanha. Invejo a ambos, no bom e infinito sentido pampeano.

Um saludo cusano, tchê.​

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